segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Poeta

Eu vivi uma vida de poeta, mesmo antes de ter vida. Mas meus poemas se foram voar, porque eu lhes dei asas. Um dia voltarão, mas para fim imediato da minha solidão, me resta viver por outros. Pena que eu tenha descoberto isso tão tarde, e já tenha passado por um longo período de isolamento. Perdi meus poemas quando perdi meus amigos, e era bem assim que tinha que ser. E eu não sei bem se vale a pena recomeçar, porque há tantas coisas implícitas nisso. Não creio possível recomeçar coisas que se perderam, mas recomeçar o processo de reconquistá-las, sem dúvida, é possível. Talvez nem funcione, mas dos acertos se tiram soluções e dos erros se tiram lições. Sou lecionada. Basta-me o recomeço. Talvez em outro lugar, talvez outra hora, talvez agora.

Será que todo recomeço está diretamente ligado a permanência? Porque, logicamente falando, se há um recomeço é porque um outro começo não foi bem sucedido em seu desenvolvimento pós-começo e, portanto, repetir o processo do começo anterior seria o mesmo que repetir o seu efeito e, portanto, continuar sendo mal-sucedido. Será bem assim, ou será mesmo minha paranóia, ou paranóia da minha alma preguiçosa? Eu sei bem que tudo mudou, nem eu mesma sou eu mesma, ou sou a mesma. Mas eu sinto uma necessidade desmedida de permanecer em igual situação (redundantemente), para que meu recomeço faça surgir em mim os mesmos sentimentos que um dia eu tive pela vida, para que possam acontecer novamente as mesmas comiserações a respeito de tudo aquilo que não é o mesmo.

De certa forma meus poemas congelavam o tempo morto, e me serviam de vitrine quando a memória se recusava a acreditar no passado, quando em mim as coisas não pareciam tão lúcidas. Mas perdi meus poemas e perdi meu tempo congelado e minhas lembranças da forma como eu gostava de me lembrar delas. As lembranças que ainda vagam me eclodem exatamente como aconteceram, já não tendo tanta graça lembrar delas, já não tendo tanta emoção. Confiei tanto em meus poemas para transformarem meus momentos, que esqueci de transformá-los de fato. Esse é o mal dos poetas. Não que eu seja poeta. Acho mesmo é que sou atriz, e finjo de tal forma que sou poeta que meu poema acredita. Ou talvez eu seja só uma mentirosa que minto ser atriz que mente ser poeta; e minto de tal jeito que eu mesmo creio que sou de fato quem, de fato, não sou.

Um comentário:

Gustavo Ruzene disse...

nem todo "recomeço" quer dizer que o outro começo foi ruim...
quem disse que nao se muda uma historia boa...
e é assim que faço minha vida...morro a cada noite...e recomeço a cada manha...como uma fenix...que renasce de suas cinzas...e delas...tira sua vida...sua arte...